A
mídia e alguns analistas em RI vêm reiterando que a política externa brasileira
sofreu uma correção de rumos no governo Dilma e isto se traduz no novo
posicionamento do Brasil em relação ao Irã na questão dos direitos humanos. No
entanto, este argumento não parece ser consistente. Votar a favor da inspecção
de um comissário do Conselho dos Direitos Humanos da ONU ao Irã não significa
uma guinada ou mudança em política externa. Pelo contrário, acredito que a
mudança de posicionamento nesta questão está mais ligada a circunstâncias
domésticas do que internacionais: o equilíbrio político entre Dilma e os
militares.
Mudar
os rumos de uma política externa é mais profundo que alterar o relacionamento
com um parceiro periférico do sistema, ainda que isto envolva os delicados
temas globais de direitos humanos e desarmamento. Envolve redimensionamento nas
prioridades em relação aos parceiros fundamentais (grandes potências e vizinhos
regionais) e aos fóruns internacionais. Uma mudança tangencial de apenas um
tema – os direitos humanos – não sinaliza mudança concomitante na Rodada Doha,
na reforma do CSNU, na integração regional e na relação bilateral com a China e
os EUA, etc. Além disso, o posicionamento do Brasil em relação ao Irã no
governo Lula respondia em parte uma posição histórica do país no que diz
respeito aos temas de desarmamento e proliferação nuclear: o Brasil reserva
para si o direito de usar a energia nuclear de forma pacífica e estende este
direito a todos os países, inclusive ao Irã.
Em
artigo clássico (Aspiração Internacional e Política Externa. Revista Brasileira
de Comércio Exterior, 2005), Maria Regina Soares de Lima sustenta que a
política externa brasileira sempre foi marcada pelo movimento pendular entre
aproximação com os EUA e opção pelo multilateralismo ou universalismo. Se, por
um lado, o governo Lula parecia mais inclinado ao último, por outro, não há
ainda indícios suficientes para se argumentar que o governo Dilma tenha
invertido os sinais ao ponto de ser equiparado ao governo FHC. Até o momento
parece claro que o governo Dilma não alterou o centro das prioridades –
integração regional, reforma do CSNU, opção pelo multilateralismo em matéria
comercial e financeira. Dilma não aumentou o nível do relacionamento com os
EUA, como sustentam alguns analistas nacionais em RI. A visita de Obama
segue mais a uma necessidade dos EUA de se aproximarem do Brasil após o governo
Lula do que uma posição nítida de Dilma no sentido de aumentar a interlocução com
Washington. A própria posição do Brasil em relação a Líbia na votação do CSNU
em parte reflete a posição histórica do Brasil em rejeitar resoluções que
interfiram militarmente nos assuntos domésticos dos países, sempre optando pela
via da negociação exaustiva.
Em
relação ao Irã três temas aparecem misturados no noticiário e na análise de
especialistas nacionais em RI – direitos humanos, proliferação nuclear e
desarmamento. Houve um reposicionamento do Brasil na questão do desarmamento?
Não há indícios nesse sentido. Pelo contrário, o Brasil continua a defender a
inspecção da AIEA ao Irã e o acordo firmado com Teerã com a ajuda da Turquia.
De modo geral, o pais continua a defender o dialogo ao invés das sanções
econômicas, tidas pelo Itamaraty e por boa parte da literatura especializada
como ineficientes.
Assim,
a posição do governo Dilma em relação ao Irã no tema de direitos humanos pode
responder mais a uma necessidade doméstica do que a um reposicionamento
internacional de monta. Votar contra o país persa no Conselho de
Direitos Humanos da ONU sinaliza aos militares brasileiros a maior
disposição do governo Dilma em tratar o tema das torturas e violações aos
direitos humanos da ditadura militar. Este seria o típico caso de “tying hands”.
Isto é, o governante utiliza o acordo ou posicionamento externo na busca de
mais força interna para aprovar uma agenda custosa e que sem o acordo
internacional seria impossível de ser aprovada. É certo que a votação do STF em
favor na manutenção da Lei de Anistia diminuiu as tensões internas na medida em
que os militares se sentem mais seguros ao liberar informações até então
secretas em relação a o que aocntece durante a ditadura, mas ao se posicionar
na arena internacional como uma defensora mais ativa dos direitos humanos a presidenta
Dilma fortalece sua posição interna frente à cúpula militar. Provavelmente,
Dilma irá fazer algumas críticas pontuais China e a Cuba neste tema sem com
isso minar sua autoridade na negociação bilateral com estes países.
A
maior autoridade moral de Dilma ao tratar deste tema com os militares pode ser
fortalecida caso o Brasil envie tropas ao exterior, sob os auspícios das Nações
Unidas e dentro do modelo haitiano, para conter violações de direitos humanos,
manter acordos de paz firmados entre partes em conflito ou construir a paz. Se
soldados brasileiros forem enviados ao exterior sob a bandeira das Nações
Unidas e na defesa dos direitos humanos ficará ainda mais evidente que Dilma
tem clara posição em prol da defesa dos direitos humanos na arena internacional,
fortalecendo sua posição doméstica e vencendo assim resistências dos militares
brasileiros sobre o tema.
Como
se sabe, decisões em política externa podem ser muito úteis para solucionar
brigas domésticas. FHC fez isso ao utilizar os acordos financeiros com o FMI
para aprovar reformas internas impopulares. Há indícios de que Dilma esteja
agindo da mesma maneira na questão dos direitos humanos e que o Irã seja apenas
o instrumento desta estratégia.