sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mudanças em politica externa, os militares e Dilma



A mídia e alguns analistas em RI vêm reiterando que a política externa brasileira sofreu uma correção de rumos no governo Dilma e isto se traduz no novo posicionamento do Brasil em relação ao Irã na questão dos direitos humanos. No entanto, este argumento não parece ser consistente. Votar a favor da inspecção de um comissário do Conselho dos Direitos Humanos da ONU ao Irã não significa uma guinada ou mudança em política externa. Pelo contrário, acredito que a mudança de posicionamento nesta questão está mais ligada a circunstâncias domésticas do que internacionais: o equilíbrio político entre Dilma e os militares.

Mudar os rumos de uma política externa é mais profundo que alterar o relacionamento com um parceiro periférico do sistema, ainda que isto envolva os delicados temas globais de direitos humanos e desarmamento. Envolve redimensionamento nas prioridades em relação aos parceiros fundamentais (grandes potências e vizinhos regionais) e aos fóruns internacionais. Uma mudança tangencial de apenas um tema – os direitos humanos – não sinaliza mudança concomitante na Rodada Doha, na reforma do CSNU, na integração regional e na relação bilateral com a China e os EUA, etc. Além disso, o posicionamento do Brasil em relação ao Irã no governo Lula respondia em parte uma posição histórica do país no que diz respeito aos temas de desarmamento e proliferação nuclear: o Brasil reserva para si o direito de usar a energia nuclear de forma pacífica e estende este direito a todos os países, inclusive ao Irã.

Em artigo clássico (Aspiração Internacional e Política Externa. Revista Brasileira de Comércio Exterior, 2005), Maria Regina Soares de Lima sustenta que a política externa brasileira sempre foi marcada pelo movimento pendular entre aproximação com os EUA e opção pelo multilateralismo ou universalismo. Se, por um lado, o governo Lula parecia mais inclinado ao último, por outro, não há ainda indícios suficientes para se argumentar que o governo Dilma tenha invertido os sinais ao ponto de ser equiparado ao governo FHC. Até o momento parece claro que o governo Dilma não alterou o centro das prioridades – integração regional, reforma do CSNU, opção pelo multilateralismo em matéria comercial e financeira. Dilma não aumentou o nível do relacionamento com os EUA, como sustentam alguns analistas nacionais em RI. A visita de Obama segue mais a uma necessidade dos EUA de se aproximarem do Brasil após o governo Lula do que uma posição nítida de Dilma no sentido de aumentar a interlocução com Washington. A própria posição do Brasil em relação a Líbia na votação do CSNU em parte reflete a posição histórica do Brasil em rejeitar resoluções que interfiram militarmente nos assuntos domésticos dos países, sempre optando pela via da negociação exaustiva.

Em relação ao Irã três temas aparecem misturados no noticiário e na análise de especialistas nacionais em RI – direitos humanos, proliferação nuclear e desarmamento. Houve um reposicionamento do Brasil na questão do desarmamento? Não há indícios nesse sentido. Pelo contrário, o Brasil continua a defender a inspecção da AIEA ao Irã e o acordo firmado com Teerã com a ajuda da Turquia. De modo geral, o pais continua a defender o dialogo ao invés das sanções econômicas, tidas pelo Itamaraty e por boa parte da literatura especializada como ineficientes.

Assim, a posição do governo Dilma em relação ao Irã no tema de direitos humanos pode responder mais a uma necessidade doméstica do que a um reposicionamento internacional de monta. Votar contra o país persa no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinaliza aos militares brasileiros a maior disposição do governo Dilma em tratar o tema das torturas e violações aos direitos humanos da ditadura militar. Este seria o típico caso de “tying hands”. Isto é, o governante utiliza o acordo ou posicionamento externo na busca de mais força interna para aprovar uma agenda custosa e que sem o acordo internacional seria impossível de ser aprovada. É certo que a votação do STF em favor na manutenção da Lei de Anistia diminuiu as tensões internas na medida em que os militares se sentem mais seguros ao liberar informações até então secretas em relação a o que aocntece durante a ditadura, mas ao se posicionar na arena internacional como uma defensora mais ativa dos direitos humanos a presidenta Dilma fortalece sua posição interna frente à cúpula militar. Provavelmente, Dilma irá fazer algumas críticas pontuais China e a Cuba neste tema sem com isso minar sua autoridade na negociação bilateral com estes países.

A maior autoridade moral de Dilma ao tratar deste tema com os militares pode ser fortalecida caso o Brasil envie tropas ao exterior, sob os auspícios das Nações Unidas e dentro do modelo haitiano, para conter violações de direitos humanos, manter acordos de paz firmados entre partes em conflito ou construir a paz. Se soldados brasileiros forem enviados ao exterior sob a bandeira das Nações Unidas e na defesa dos direitos humanos ficará ainda mais evidente que Dilma tem clara posição em prol da defesa dos direitos humanos na arena internacional, fortalecendo sua posição doméstica e vencendo assim resistências dos militares brasileiros sobre o tema.

Como se sabe, decisões em política externa podem ser muito úteis para solucionar brigas domésticas. FHC fez isso ao utilizar os acordos financeiros com o FMI para aprovar reformas internas impopulares. Há indícios de que Dilma esteja agindo da mesma maneira na questão dos direitos humanos e que o Irã seja apenas o instrumento desta estratégia.

sábado, 9 de abril de 2011

Os salários dos políticos profissionais e a qualidade legislativa

Há uma polêmica linha de pesquisa em ciência política mostrando que salários mais altos e imunidade parlamentar assegurada melhoram a qualidade da representação e a produtividade dos políticos. Os autores Ferraz e Finan da PUC-Rio (Motivating Politicians: The Impacts of Monetary Incentives on Quality and Performance) demonstram que salários mais altos para os políticos brasileiros aumentam a competição eleitoral e atraem os melhores candidatos. Os autores demostram também que altos salários aumentam a produtividade dos legisladores (mais leis e maior provisão de bens coletivos). Em trabalho inovador, Dal Bó, Dal Bó e Di Tella da Brown University (“Plata o Plomo?”: Bribe and Punishment in a Theory of Political Influence) mostram que sistemas com menos imunidade parlamentar criam incetivos para atrair políticos de baixa qualidade e não de alta qualidade como muitos pensam. A punição do judiciário contra a corrupção diminui o interesse dos melhores candidatos pelas posições de mando na medida que aumenta a instabilidade da profissão. 

Não há dúvidas que estes estudos vão contra o senso comum segundo o qual os políticos brasileiros não devem ganhar bem ou que devem ter sua imunidade parlamentar relaxada frente à implementação da Lei da Ficha Limpa. Em um debate na TV Bandeirante durante a reeleição Lula em 2006, o ex-Senador Jorge Bornhausen do DEM-PFL de Santa Catarina afirmou que na época em que era vereador em Blumenau a política era feita por homens nobres e que não precisavam da política para viver. Eram médicos, empresários e fazendeiros interessados no bem público. Ele esqueceu de dizer que nesta época a esquerda estava prescrita, os trabalhadores não podiam se organizar e que seus colegas eram todos homens brancos e membros da elite econômica local.

A luta da esquerda nos últimos trinta anos foi pela profissionalização da política brasileira e pelo fim do patrimonialismo da elite dirigente tradicional (o fazendeiro-vereador que usa o Estado para demarcar suas terras e expulsar o trabalhador rural). Exigir que políticos devam ter salários pouco condizentes com o cargo e compará-los aos deputados suecos é moralismo barato que não contribui para o debate sobre a qualidade da representação. Exigir salários baixos e esperar que os políticos defendam o interesse público nobremente sem que precisem ser bem remunerados por isso é exigir que a política brasileira seja dominada novamente pelos colegas patrimonialistas de Bornhausen. Qual seria o destino de Luiza Erundina e Marina Silva, ex-empregadas domésticas, se os políticos brasileiros fossem mal pagos?     

O Paraguai e o aumento do preço da luz

Ao ouvir alguns deputados da oposição criticarem duramente a proposta do governo de aumentar o valor pago pela energia ao Paraguai por meio do Tratado de Itaipú fica clara a arrogância da direita contra os nossos vizinhos. Como já disse Chico, falar fino com Washington e grosso com a Bolívia é princípio norteador da oposição.

Sou a favor de pagar mais. Acho que o Paraguai e o Brasil precisam. Há três razões fundamentais para o aumento. Primeiro, ajudar o Paraguai economicamente significa ajudar o próprio Brasil. O Paraguai tem um PIB de apenas US$17 bilhões em 2011. O Paraná tem um PIB de US$ 100 bilhões. Ajudar os paraguaios a construir o linhão de energia até Assunção e pagar mais pela energia significa dinamizar a economia vizinha e ajudar economicamente a fronteira brasileira mais populosa. Segundo, ajudar o Paraguai significa seguir o princípio da solidariedade latino-americana. É certo que a direita não gosta desta categoria. Sempre preferiu a Europa Ocidental e os EUA, mas o Brasil não pode se furtar de sua circunstância geográfica e cultural. Ajudamos o Paraguai porque se trata de um imperativo moral de solidariedade. O mesmo princípio aplicado no caso boliviano na questão do gás. Por fim, se investe no Paraguai para evitar problemas futuros. Se o Brasil continuar a crescer em um rítmo mais acelerado que os vizinhos aumentará a incidência da imigração ilegal, do contrabando e do tráfico na fronteira. Ajudar o Paraguai a se desenvolver protege o Brasil de problemas fronteiriços tradicionais.

A oposição diz que gosta da nova posição do governo brasileiro em política externa. Só se for no caso iraniano. No que diz respeito aos nossos vizinhos, repete a lógica da criança que apanha dos meninos mais velhos da escola e desconta a raiva e angústia nos priminhos mais novos em casa. Haja terapia.