sexta-feira, 3 de abril de 2015

O Acordo Nuclear com o Irã e o Tabuleiro do Oriente Médio


Existem pelo menos três áreas no Oriente Médio de intensas disputas entre o Irã e o eixo Riad-Washington-Telavive: a zona ocupada pelo ISIS na Síria, o entorno de Israel e a guerra civila no Iêmen. Um quarto e decisivo cenário é o programa nuclear iraniano. No entanto, é nesta questão que as principais apostas pela paz devem ser feitas, pois seus efeitos transcendem o próprio programa nuclear e influenciam a região como um todo. O centro do acordo não é apenas o sentido do programa nuclear, mas a construção da confiança entre EUA e Irã e suas consequências.

Nesse contexto, existem três visões prospectivas para a região. Uma visão otimista apostaria no sucesso da implementação do acordo, permitindo a estabilização da região com a construção de um equilíbrio de poder entre Israel, Arábia Saudita e Irã intermediado pelos EUA. Uma visão negativa apostaria na falha do acordo por conta da ação das oposições de Republicanos, Netanyahu e da linha dura iraniana, intensificando assim a rivalidade regional entre os países. Uma visão intermediária e parecida com o atual status quo não apostaria em uma estabilização completa da região, seja porque a implementação do acordo seria apenas parcial, sem mudar a vontade do Irã de efetivamente construir a bomba, ou seja porque as ações de opositores seriam apenas parcialmente eficazes em derrubar o acordo, deixando assim algum espaço para futuros presidentes americanos repactuarem a pressão sobre Teerã.

Nos três cenários, contudo, é provável que o Irã caminhe para um algum tipo de poder nuclear latente, ou seja, o país terá certa de capacidade material para rapidamente construir a bomba e lançá-la com sucesso. É a vitória de um desses três cenários que definirá se a decisão iraniana de construir a bomba e o aparato míssil de lançamento será mitigada, postergada ou eliminada.

Na visão otimista o acordo nuclear com o Irã representaria um novo marco no papel dos EUA no Oriente Médio. Mudaria o eixo de atuação americana, muito centrado em Israel e Arábia Saudita, para a consolidação de um quadrunvirato equilibrado de poder incluindo Teerã. O acordo atual diminuiria as tensões entre Irã e EUA em várias frentes, construindo alguma confiança mútua e fortalecendo a liderança moderada de Hassan Rouhani. Os efeitos sobre as crises regionais seriam positivos. O cerco ao ISIS sairia fortalecido e o regime de Assad na Síria paulatinamente isolado, com a diminuição do apoio iraniano ao Hezbollah. A crise no Iêmen caminharia para alguma forma de equilíbrio entre as forças apoiadas por Teerã e o regime saudita. Neste cenário o Irã alcançaria um poder latente nuclear mais brando e com menor capacidade dissuasória, sendo aceito por Israel e Arábia Saudita em nome do novo status quo regional, mais pacífico.

Na visão pessimista o acordo nuclear seria bombardeado com sucesso pelos opositores nos EUA, Israel e Irã. Haveria uma quebra de confiança entre Washington e Teerã. A atual rivalidade na região se intensificaria com a continuidade do apoio iraniano ao Hezbollah e uma tentativa mais decisiva de Teerã em mudar o regime iemenita a seu favor. O cerco ao ISIS duraria enquanto durasse o grupo, com sua eventual eliminação sendo acompanhada por uma tentativa iraniana de ocupar ao máximo o vazio de poder no Iraque e sendo contrabalanceado por Washington e Arábia Saudita. Ato contínuo, o recrudescimento do acordo faria com que o governo iraniano acelerasse o enriquecimento nuclear, investindo mais esforços na construção de um aparato de mísseis de longo alcance. Esse cenário colocaria o poder nuclear latente iraniano muito perto da linha do aceitável, ensejando possíveis ataques israelenses e sauditas às instalações daquele país.

Na visão intermediária o acordo nuclear não alcançaria seus objetivos plenamente, permitindo ao Irã alguma continuidade, ainda que parcial, do seu programa. Isso manteria o relacionamento entre Teerã e Washington em uma posição ambígua na qual nenhuma das partes conseguiria valorizar na totalidade possíveis acordos futuros. As oposições ao acordo conseguiriam fortalecer parcialmente a ideia segundo a qual o Irã deve ser contido de todas as formas, mas não conseguiriam criar a legitimidade para atacar militarmente o país. As três crises regionais não teriam términos assegurados, pois o Irã continuaria a ser visto como agente desestabilizador. O poder nuclear latente de Teerã caminharia a passos mais lentos, porém sempre almejando construir a bomba. Assim, uma próxima administração estadunidense teria que mais uma vez construir as pontes de negociação, mas provavelmente tendo como contraparte um presidente iraniano não moderado. No fim, o acordo nuclear teria apenas ganhado tempo para futuras negociações.

Como se pode notar, o acordo nuclear iraniano tem como centro a construção de confiança mútua entre os EUA e o Irã. Essa confiança definirá quão forte será o esforço de Washington em conter sua oposição interna e os receios de Israel e Arábia Saudita em relação ao regime dos Aiatolás, assim como quão forte será a disposição da atual liderança moderada iraniana em convencer a linha dura interna das benesses do acordo. Por sua vez, o sentido final do acordo está ligado a qual tipo de poder nuclear latente que Teerã terá no futuro próximo. Será ele brando, agressivo ou em lenta construção é algo ainda a ser observado e dependente das consequências do acordo firmado recentemente.











quarta-feira, 25 de abril de 2012

A estatização da YPF, as oportunidades e os perigos para o Brasil

É provável que o governo de Cristina Kirchner tenha acertado ao reestatizar a YPF. Mas é muito cedo para saber as consequências econômicas e políticas da decisão. O sucesso completo da empreitada dependerá da qualidade da nova administração da YPF e da forma como o governo argentino conseguir criar projetos de cooperação técnica e financeira com outras empresas petrolíferas, principalmente com a Petrobrás, para incrementar os investimentos na área.

O governo argentino tem justificativas políticas e econômicas bastante coerentes para tomar a decisão. Primeiro, a maioria dos governos tem algum tipo de controle sobre empresas petrolíferas. Com a exceção de EUA e Reino Unido, as maiores empresas de petróleo estão nas mãos dos governos. Mesmos nesses dois países as grandes empresas são nacionais. Segundo, a Repsol não investiu como poderia, ainda que sistematicamente tenha culpado o governo e o marco regulatório pelos entraves ao investimento. A Argentina se transformou em importador de energia. Terceiro, a Repsol vinha aumentando as remessas de lucros para a Espanha desde o início da crise financeira. A moratória de 2001 levou a Argentina a ter problemas em se financiar nos mercados internacionais. Os superávits comerciais vinham abastecendo o país com moedas fortes. As remessas de lucros da Repsol/YPF, de longe a maior empresa do país, trabalhavam no sentido contrário. Quarto, desde o início da sua administração, os governos Kirchner vinham sinalizado a retomada de empresas consideradas estratégias. A estatização das Aerolíneas Argentinas é um exemplo conhecido. A Repsol não foi tomada de surpresa. É possível, inclusive, que as remessas de lucros crescentes estejam relacionadas não apenas às necessidades de caixa em Madrid, mas também com sinais de que um maior intervencionismo do Estado estava por vir. Quinto, não se pode reificar a segurança jurídica na questão dos investimentos. É claro que se trata de um ponto importante, mas o aspecto fundamental é a taxa de retorno dos investimentos. Se houver insegurança jurídica, mas os lucros forem altos os investimentos acontecem. O melhor cenário é sempre segurança jurídica com lucros altos, mas nem sempre esse é o caso e desde a moratória de 2001 os investidores internacionais lidam com o cenário de insegurança jurídica na Argentina e nem por isso deixaram de investir. É provável que nem todos os investimentos possíveis vieram porque havia insegurança, mas também é provável que em um setor de retorno tão alto como petróleo e gás outros investimentos estrangeiros possam acontecer. A estatização da YPF não alterou esse cenário.

O governo Kirchner adotou três estratégias – doméstica, regional e internacional - bastante razoáveis. No plano interno, a decisão fortalece o projeto político de Cristina e atende aos anseios a maioria dos argentinos. A decisão aconteceu na hora exata. Reeleita de forma esmagadora, o governo de Cristina tinha o respaldo popular e das províncias a decisões como esta. Não havia espaço no primeiro mandato. No cenário internacional residia o maior desafio. Mas Kirchner também escolheu o melhor momento. A crise europeia enfraqueceu politicamente a Espanha. O governo de Mariano Rajoy, envolvido nas soluções da crise, tem poucos meios para pressionar a Argentina. A União Europeia, por sua vez, dificilmente adotará uma linha mais dura em relação ao país sul-americano. Até porque a estatização foi específica à Repsol, abrindo espaço para outras empresas europeias entrarem no mercado do país sul-americano.  O próprio fato do preço da YPF ter caído nos mercados nos últimos anos facilitou a decisão de Cristina na medida em que o governo estatizou uma empresa fundamental e relativamente barata. Estatizar no primeiro mandato significaria problemas eleitorais e preços mais altos. Em política, momentos como esse raramente acontecem. Ou o governo tomava a decisão agora ou não tomava mais.

É no plano regional que reside o sucesso ou fracasso da decisão. Sozinha a YPF não consegue levantar os recursos para os investimentos. A própria capacidade técnica da empresa está comprometida. A saída mais coerente para este gargalo reside em uma parceria com a Petrobrás. E Cristina parece ter entendido bem a possibilidade. Logo após a estatização o governo enviou seus ministros a Brasília não apenas para assegurar que os ativos da Petrobrás não sofreriam intervenções para além daquilo acontecido em Neuquén, mas para convencer as autoridades brasileiras da importância da Petrobrás para a YPF. Aumentar a participação da Petrobrás para 15% do mercado chegou a ser anunciada. No entanto, o governo argentino precisa buscar mais. Precisa criar com a Petrobrás um plano de investimentos que seja bom tanto para a YPF, como para Brasília e os acionistas da empresa brasileira. A Petrobrás pode  e deve aumentar a participação no mercado argentino, o que significa obviamente mais investimentos, mas a grande oportunidade está na cooperação técnica e financeira com a YPF na prospecção de novas jazidas de gás e petróleo que podem ser importantes para o abastecimento brasileiro.

Assim, o maior perigo da estatização mora na qualidade da nova administração da YPF. Se o governo Kirchner não buscar um programa agressivo de profissionalização da administração, as chances da Argentina na área energética podem ser desperdiçadas. O histórico não é positivo. As empresas recentemente estatizadas ainda não decolaram e, no caso da Aerolíneas Argentinas, sequer disponibilizaram seus balanços. Mais uma vez, o modelo de gestão deve ser a Petrobrás, uma empresa estatal que se equilibra entre as exigências do governo e as forças dos mercados. Cristina Kirchner pode ser criticada por vários ângulos, mas o que não lhe falta é coragem. Resta mesclá-la com profissionalismo e cooperação regional.
  

terça-feira, 24 de abril de 2012

A escolha do Presidente do Banco Mundial e a posição do Brasil

A escolha do novo presidente do Banco Mundial – o americano de origem coreana Jim Yong Kim – pode ser uma oportunidade para o Brasil pressionar por mudanças importantes na governança do Banco Mundial. O pensador político Norberto Bobbio afirmava que a esquerda sempre esteve preocupada com “quem governa”, ao passo que a direita sempre se importou em “como se governa”. Na questão da escolha do novo presidente do Banco Mundial esta duas posições são importantes, mas a segunda tem mais peso que a primeira. Para o Brasil, apenas a mudança em quem governa – a escolha de um presidente oriundo de um país em desenvolvimento - não é suficiente. Aliás, não deveria ser prioridade. O mais importante é mudar “como se governa” a organização. O Banco Mundial precisa de duas reformas importantes: (i) a implementação e ampliação das propostas já acertadas entre os países no que diz respeito à redistribuição das cotas; (ii) o aprofundamento da mudança do perfil técnico dos funcionários do Banco que começou com as reformas no período James Wolfensohn (1995-2005).

O Banco Mundial é hoje um grupo de organizações internacionais, sendo as duas mais importantes o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), responsável por empréstimos a países de renda média, e a ADI (Associação Internacional de Desenvolvimento), responsável por empréstimos a países de renda baixa. Como o BIRD consegue captar seus recursos no mercado financeiro por meio da emissão de bonds, a luta política entre os países acontece primordialmente dentro da ADI na medida em que esta organização utiliza os recursos depositados pelos países membros. Ter influência na ADI significa ter influência sobre os países mais pobres do mundo. Os empréstimos da ADI seguem critérios técnicos e políticos, mas sem os critérios técnicos de elegibilidade dificilmente um país consegue obter os recursos. Quem cria e opera esses critérios são os funcionários de carreira da organização. Esses funcionários são majoritariamente economistas formados em vinte universidades americanas e européias.

Assim, por mais que o novo presidente da organização venha de um país em desenvolvimento, as decisões sobre os empréstimos são limitadas por técnicos que compartilham os mesmos critérios e instrumentos de análise. Ciente desse problema, uma vez que tais critérios não eram necessariamente os mais eficientes, o ex-Presidente James Wolfensohn iniciou um processo de reforma interna que visava mudar o perfil dos funcionários, ampliando o número de não-economistas (ambientalistas, sociólogos, internacionalistas, engenheiros, etc.) que passariam a contribuir na criação dos critérios técnicos de elegibilidade. O novo presidente do Banco Mundial precisa estar imbuído desse sentimento de construção de uma organização mais plural, seja ele americano ou indiano. Os instrumentos de seleção dos funcionários precisam levar em conta não apenas a origem geográfica do novo funcionário, mas sobretudo sua origem profissional e educacional.

A distribuição das cotas é o centro das discussões em torno das reformas das organizações financeiras internacionais (Banco Mundial e FMI). O tamanho das cotas determina não apenas os recursos de cada país na composição dos orçamentos, mas a força política por detrás da aprovação de empréstimos aos países receptores. A crise financeira global tirou os países do imobilismo nessa matéria e desde 2008 várias rodadas de negociação para reformar as cotas foram conduzidas. Entre outubro de 2008 e abril de 2010 o processo de reforma das cotas foi concluído. Dentre as três opções na mesa em relação à ampliação dos votos básicos de cada país, o que daria mais voz aos países pobres e emergentes – a duplicação para 5,55%, a triplicação para 8,1% ou o restabelecimento dos níveis originais de 10,78% da época da criação do Banco Mundial – os países escolheram a segunda. Já no que diz respeito aos indicadores que compõe a fórmula matemática (PIB, abertura comercial, etc.) que calcula o tamanho de cada cota, apenas pequenas mudanças foram introduzidas. Assim, a despeito das mudanças, severos desequilíbrios na distribuição de poder dentro da organização continuam a existir. Alguns países com apenas 1% do PIB mundial possuem quase 4% das cotas totais e países como Brasil, China e Índia continuam sub-representados.

Dessa forma, há dois pontos que o governo brasileiro poderia exigir do novo presidente para apoiá-lo. Primeiro, continuar a desconcentração geográfica e intelectual na seleção dos funcionários da casa. Para ser uma organização internacional mais legítima, o Banco Mundial precisa ter um quadro de funcionários mais heterogêneo e que represente de forma mais equânime seus membros. Europeus e americanos ainda são maioria. Segundo, dar início a uma nova rodada de negociação para a reforma das cotas. A proposta mais ambiciosa de restabelecer o parâmetro de 10,78% deveria ser levada em conta e a fórmula de cálculo individual das cotas deveria ser mais flexível, levando em consideração o novo posicionamento de países como o Brasil na economia global. Ambas as demandas poderia ser defendidas pelo novo presidente, mesmo com a resistência de europeus, sob pena dos países emergentes e sub-representados buscarem alternativas, como a construção de bancos de desenvolvimento regionais ou de alianças (BRICS).

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A falta de blogs especializados em relações internacionais no Brasil

Há poucos blogs de relações internacionais no Brasil. Fiz uma rápida busca pelo google e facebook e pouco achei. Encontrei blogs que atualizam manchetes de jornais e postam rápidos comentários (RelNet e Blog Política e Relações Internacionais), além de vários blogs desatualizados e desativados. Há um blog do qual faço parte cujo objetivo é divulgar a pesquisa acadêmica brasileira mais recente em relações internacionais ( Ripperp - Pesquisa em Política Externa & Regime Político), mas este blog não faz comentários ou análises de acontecimentos e debates. Tentei buscar listas de blogs dentro de outros blogs de política e nada achei. Encontrei duas exceções. Um dos blogs especializados em RI com mais posts pertence ao diplomata Paulo Roberto de Almeida (Diplomatizando, última versão). Outro blog importante é de Oliver Stuenkel (Post Western World). Pouco para um país com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação em relações internacionais.

Minha pesquisa foi rápida, mas já estou trabalhando e estudando RI desde 1998 e não conheço nenhum blog particularmente famoso na área, com as exceções de PR de Almeida e Oliver Stuenkel. Acho que o maiores problemas dos blogs da área são a falta de divulgação e a falta de continuidade. Eu mesmo pensei que meu blog seria atualizado com frequência, mas desisti em poucas semanas.

Acredito que a melhor saída seja relançar o blog dentro de uma empreitada coletiva. Se mais pesquisadores e professores de RI entrarem no projeto, maior será divulgação e continudade das postagens e mais chances de sucesso. Dois ou três professores postam com mais frequência e duplicam ou triplicam a divulgação em suas redes. Um blog coletivo com um título interessante e chamativo seria uma oportunidade de construir uma rede mais ampla de discussão dinâmica em RI. O blog teria dois objetivos: divulgar e comentar a produção científica em relações internacionais e prover comentários em questões internacionais do momento. Este blog poderia reunir internacionalistas especialistas em Economia Política Internacional, Segurança, PEB e TRI. Vamos ver.

domingo, 5 de junho de 2011

Os dez livros modernos de relações internacionais que mais me influenciaram

Toda lista do que é melhor ou pior é sempre duvidosa, mas uma lista dos livros que mais influenciaram uma pessoa parece ser menos controversa. Fiz uma lista dos livros de relações internacionais que mais me influenciaram. Decidi que só contam livros do pós-Guerra e não contam livros da última década. Mais tarde faço uma lista com os dez mais dos últimos dez anos. Terminei a graduação em 2001. Assim, seguem os dez livros modernos de relações internacionais que mais me influenciaram quando eu era bem jovem.

1. O Homem, o Estado e a Guerra (1959), Kenneth Waltz.
Clássico do pensamento realista. Busca dar respostas a pergunta mais perene e importante de relações internacionais: por que as guerras ocorrem?

2. Paz e Guerra entre as Nações (1962), Raymond Aron.
Análise sociológica mais impressionante sobre a paz e a guerra. O capítulo XIX resume o debate entre idealismo e realismo como poucos.

3. The Modern World System vol. I, II e III (1974, 1980 e 1989), Immanuel Wallerstein.
Trouxe para as relações internacionais as contribuições marxianas, leninistas e da teoria da dependência. Não há como pensar a expansão do poder americano sem entender as engrenagens do capitalismo e seus impactos nas semi-periferias e periferias do mundo.

4. A Sociedade Anárquica (1977), Hedley Bull.
Mestre da escola inglesa que misturou realismo e idealismo. Traz para o pensamento teórico em relações internacionais o peso da história e cultura.

5. The Rise and Fall of Great Powers (1987), Paul Kennedy.
Ícone dos decaístas da década de 80. Pode ficar datado, mas se trata de uma obra obrigatória para quem deseja entender as razões das quedas hegemômicas.

6. After Hegemony (1984), Robert Keohane.
Cooperação internacional, instituições internacionais e organizações internacionais só podem ser discutidas à luz dos conceitos de Keohane. Marcou época e continua muito atual.

7. O Longo Século XX (1994), Giovanni Arrighi.
Assim como Wallerstein e Kennedy, mostra como poucos as razões da queda de hegemonia.

8. O Choque das Civilizações (1996), Samuel Huntignton.
Obra de um conservador a serviço do establishment americano. Ficou datado, mas criou a polêmica mais importante dos anos 90, sendo resgatado depois de 2001.

9. Social Theory of International Politics (1999), Alexander Wendt.
Análise profunda sobre diferentes ordens internacionais criadas a partir da constituição mútua entre agência e estrutura.

10. O Direito dos Povos (1999), John Rawls.
Ainda que não tão progressista como Uma Teoria da Justiça de 1971, o Direito dos Povos é leitura fundamental para aqueles interessados em construir uma ordem global mais justa.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mudanças em politica externa, os militares e Dilma



A mídia e alguns analistas em RI vêm reiterando que a política externa brasileira sofreu uma correção de rumos no governo Dilma e isto se traduz no novo posicionamento do Brasil em relação ao Irã na questão dos direitos humanos. No entanto, este argumento não parece ser consistente. Votar a favor da inspecção de um comissário do Conselho dos Direitos Humanos da ONU ao Irã não significa uma guinada ou mudança em política externa. Pelo contrário, acredito que a mudança de posicionamento nesta questão está mais ligada a circunstâncias domésticas do que internacionais: o equilíbrio político entre Dilma e os militares.

Mudar os rumos de uma política externa é mais profundo que alterar o relacionamento com um parceiro periférico do sistema, ainda que isto envolva os delicados temas globais de direitos humanos e desarmamento. Envolve redimensionamento nas prioridades em relação aos parceiros fundamentais (grandes potências e vizinhos regionais) e aos fóruns internacionais. Uma mudança tangencial de apenas um tema – os direitos humanos – não sinaliza mudança concomitante na Rodada Doha, na reforma do CSNU, na integração regional e na relação bilateral com a China e os EUA, etc. Além disso, o posicionamento do Brasil em relação ao Irã no governo Lula respondia em parte uma posição histórica do país no que diz respeito aos temas de desarmamento e proliferação nuclear: o Brasil reserva para si o direito de usar a energia nuclear de forma pacífica e estende este direito a todos os países, inclusive ao Irã.

Em artigo clássico (Aspiração Internacional e Política Externa. Revista Brasileira de Comércio Exterior, 2005), Maria Regina Soares de Lima sustenta que a política externa brasileira sempre foi marcada pelo movimento pendular entre aproximação com os EUA e opção pelo multilateralismo ou universalismo. Se, por um lado, o governo Lula parecia mais inclinado ao último, por outro, não há ainda indícios suficientes para se argumentar que o governo Dilma tenha invertido os sinais ao ponto de ser equiparado ao governo FHC. Até o momento parece claro que o governo Dilma não alterou o centro das prioridades – integração regional, reforma do CSNU, opção pelo multilateralismo em matéria comercial e financeira. Dilma não aumentou o nível do relacionamento com os EUA, como sustentam alguns analistas nacionais em RI. A visita de Obama segue mais a uma necessidade dos EUA de se aproximarem do Brasil após o governo Lula do que uma posição nítida de Dilma no sentido de aumentar a interlocução com Washington. A própria posição do Brasil em relação a Líbia na votação do CSNU em parte reflete a posição histórica do Brasil em rejeitar resoluções que interfiram militarmente nos assuntos domésticos dos países, sempre optando pela via da negociação exaustiva.

Em relação ao Irã três temas aparecem misturados no noticiário e na análise de especialistas nacionais em RI – direitos humanos, proliferação nuclear e desarmamento. Houve um reposicionamento do Brasil na questão do desarmamento? Não há indícios nesse sentido. Pelo contrário, o Brasil continua a defender a inspecção da AIEA ao Irã e o acordo firmado com Teerã com a ajuda da Turquia. De modo geral, o pais continua a defender o dialogo ao invés das sanções econômicas, tidas pelo Itamaraty e por boa parte da literatura especializada como ineficientes.

Assim, a posição do governo Dilma em relação ao Irã no tema de direitos humanos pode responder mais a uma necessidade doméstica do que a um reposicionamento internacional de monta. Votar contra o país persa no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinaliza aos militares brasileiros a maior disposição do governo Dilma em tratar o tema das torturas e violações aos direitos humanos da ditadura militar. Este seria o típico caso de “tying hands”. Isto é, o governante utiliza o acordo ou posicionamento externo na busca de mais força interna para aprovar uma agenda custosa e que sem o acordo internacional seria impossível de ser aprovada. É certo que a votação do STF em favor na manutenção da Lei de Anistia diminuiu as tensões internas na medida em que os militares se sentem mais seguros ao liberar informações até então secretas em relação a o que aocntece durante a ditadura, mas ao se posicionar na arena internacional como uma defensora mais ativa dos direitos humanos a presidenta Dilma fortalece sua posição interna frente à cúpula militar. Provavelmente, Dilma irá fazer algumas críticas pontuais China e a Cuba neste tema sem com isso minar sua autoridade na negociação bilateral com estes países.

A maior autoridade moral de Dilma ao tratar deste tema com os militares pode ser fortalecida caso o Brasil envie tropas ao exterior, sob os auspícios das Nações Unidas e dentro do modelo haitiano, para conter violações de direitos humanos, manter acordos de paz firmados entre partes em conflito ou construir a paz. Se soldados brasileiros forem enviados ao exterior sob a bandeira das Nações Unidas e na defesa dos direitos humanos ficará ainda mais evidente que Dilma tem clara posição em prol da defesa dos direitos humanos na arena internacional, fortalecendo sua posição doméstica e vencendo assim resistências dos militares brasileiros sobre o tema.

Como se sabe, decisões em política externa podem ser muito úteis para solucionar brigas domésticas. FHC fez isso ao utilizar os acordos financeiros com o FMI para aprovar reformas internas impopulares. Há indícios de que Dilma esteja agindo da mesma maneira na questão dos direitos humanos e que o Irã seja apenas o instrumento desta estratégia.

sábado, 9 de abril de 2011

Os salários dos políticos profissionais e a qualidade legislativa

Há uma polêmica linha de pesquisa em ciência política mostrando que salários mais altos e imunidade parlamentar assegurada melhoram a qualidade da representação e a produtividade dos políticos. Os autores Ferraz e Finan da PUC-Rio (Motivating Politicians: The Impacts of Monetary Incentives on Quality and Performance) demonstram que salários mais altos para os políticos brasileiros aumentam a competição eleitoral e atraem os melhores candidatos. Os autores demostram também que altos salários aumentam a produtividade dos legisladores (mais leis e maior provisão de bens coletivos). Em trabalho inovador, Dal Bó, Dal Bó e Di Tella da Brown University (“Plata o Plomo?”: Bribe and Punishment in a Theory of Political Influence) mostram que sistemas com menos imunidade parlamentar criam incetivos para atrair políticos de baixa qualidade e não de alta qualidade como muitos pensam. A punição do judiciário contra a corrupção diminui o interesse dos melhores candidatos pelas posições de mando na medida que aumenta a instabilidade da profissão. 

Não há dúvidas que estes estudos vão contra o senso comum segundo o qual os políticos brasileiros não devem ganhar bem ou que devem ter sua imunidade parlamentar relaxada frente à implementação da Lei da Ficha Limpa. Em um debate na TV Bandeirante durante a reeleição Lula em 2006, o ex-Senador Jorge Bornhausen do DEM-PFL de Santa Catarina afirmou que na época em que era vereador em Blumenau a política era feita por homens nobres e que não precisavam da política para viver. Eram médicos, empresários e fazendeiros interessados no bem público. Ele esqueceu de dizer que nesta época a esquerda estava prescrita, os trabalhadores não podiam se organizar e que seus colegas eram todos homens brancos e membros da elite econômica local.

A luta da esquerda nos últimos trinta anos foi pela profissionalização da política brasileira e pelo fim do patrimonialismo da elite dirigente tradicional (o fazendeiro-vereador que usa o Estado para demarcar suas terras e expulsar o trabalhador rural). Exigir que políticos devam ter salários pouco condizentes com o cargo e compará-los aos deputados suecos é moralismo barato que não contribui para o debate sobre a qualidade da representação. Exigir salários baixos e esperar que os políticos defendam o interesse público nobremente sem que precisem ser bem remunerados por isso é exigir que a política brasileira seja dominada novamente pelos colegas patrimonialistas de Bornhausen. Qual seria o destino de Luiza Erundina e Marina Silva, ex-empregadas domésticas, se os políticos brasileiros fossem mal pagos?