terça-feira, 24 de abril de 2012

A escolha do Presidente do Banco Mundial e a posição do Brasil

A escolha do novo presidente do Banco Mundial – o americano de origem coreana Jim Yong Kim – pode ser uma oportunidade para o Brasil pressionar por mudanças importantes na governança do Banco Mundial. O pensador político Norberto Bobbio afirmava que a esquerda sempre esteve preocupada com “quem governa”, ao passo que a direita sempre se importou em “como se governa”. Na questão da escolha do novo presidente do Banco Mundial esta duas posições são importantes, mas a segunda tem mais peso que a primeira. Para o Brasil, apenas a mudança em quem governa – a escolha de um presidente oriundo de um país em desenvolvimento - não é suficiente. Aliás, não deveria ser prioridade. O mais importante é mudar “como se governa” a organização. O Banco Mundial precisa de duas reformas importantes: (i) a implementação e ampliação das propostas já acertadas entre os países no que diz respeito à redistribuição das cotas; (ii) o aprofundamento da mudança do perfil técnico dos funcionários do Banco que começou com as reformas no período James Wolfensohn (1995-2005).

O Banco Mundial é hoje um grupo de organizações internacionais, sendo as duas mais importantes o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), responsável por empréstimos a países de renda média, e a ADI (Associação Internacional de Desenvolvimento), responsável por empréstimos a países de renda baixa. Como o BIRD consegue captar seus recursos no mercado financeiro por meio da emissão de bonds, a luta política entre os países acontece primordialmente dentro da ADI na medida em que esta organização utiliza os recursos depositados pelos países membros. Ter influência na ADI significa ter influência sobre os países mais pobres do mundo. Os empréstimos da ADI seguem critérios técnicos e políticos, mas sem os critérios técnicos de elegibilidade dificilmente um país consegue obter os recursos. Quem cria e opera esses critérios são os funcionários de carreira da organização. Esses funcionários são majoritariamente economistas formados em vinte universidades americanas e européias.

Assim, por mais que o novo presidente da organização venha de um país em desenvolvimento, as decisões sobre os empréstimos são limitadas por técnicos que compartilham os mesmos critérios e instrumentos de análise. Ciente desse problema, uma vez que tais critérios não eram necessariamente os mais eficientes, o ex-Presidente James Wolfensohn iniciou um processo de reforma interna que visava mudar o perfil dos funcionários, ampliando o número de não-economistas (ambientalistas, sociólogos, internacionalistas, engenheiros, etc.) que passariam a contribuir na criação dos critérios técnicos de elegibilidade. O novo presidente do Banco Mundial precisa estar imbuído desse sentimento de construção de uma organização mais plural, seja ele americano ou indiano. Os instrumentos de seleção dos funcionários precisam levar em conta não apenas a origem geográfica do novo funcionário, mas sobretudo sua origem profissional e educacional.

A distribuição das cotas é o centro das discussões em torno das reformas das organizações financeiras internacionais (Banco Mundial e FMI). O tamanho das cotas determina não apenas os recursos de cada país na composição dos orçamentos, mas a força política por detrás da aprovação de empréstimos aos países receptores. A crise financeira global tirou os países do imobilismo nessa matéria e desde 2008 várias rodadas de negociação para reformar as cotas foram conduzidas. Entre outubro de 2008 e abril de 2010 o processo de reforma das cotas foi concluído. Dentre as três opções na mesa em relação à ampliação dos votos básicos de cada país, o que daria mais voz aos países pobres e emergentes – a duplicação para 5,55%, a triplicação para 8,1% ou o restabelecimento dos níveis originais de 10,78% da época da criação do Banco Mundial – os países escolheram a segunda. Já no que diz respeito aos indicadores que compõe a fórmula matemática (PIB, abertura comercial, etc.) que calcula o tamanho de cada cota, apenas pequenas mudanças foram introduzidas. Assim, a despeito das mudanças, severos desequilíbrios na distribuição de poder dentro da organização continuam a existir. Alguns países com apenas 1% do PIB mundial possuem quase 4% das cotas totais e países como Brasil, China e Índia continuam sub-representados.

Dessa forma, há dois pontos que o governo brasileiro poderia exigir do novo presidente para apoiá-lo. Primeiro, continuar a desconcentração geográfica e intelectual na seleção dos funcionários da casa. Para ser uma organização internacional mais legítima, o Banco Mundial precisa ter um quadro de funcionários mais heterogêneo e que represente de forma mais equânime seus membros. Europeus e americanos ainda são maioria. Segundo, dar início a uma nova rodada de negociação para a reforma das cotas. A proposta mais ambiciosa de restabelecer o parâmetro de 10,78% deveria ser levada em conta e a fórmula de cálculo individual das cotas deveria ser mais flexível, levando em consideração o novo posicionamento de países como o Brasil na economia global. Ambas as demandas poderia ser defendidas pelo novo presidente, mesmo com a resistência de europeus, sob pena dos países emergentes e sub-representados buscarem alternativas, como a construção de bancos de desenvolvimento regionais ou de alianças (BRICS).

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