domingo, 5 de junho de 2011

Os dez livros modernos de relações internacionais que mais me influenciaram

Toda lista do que é melhor ou pior é sempre duvidosa, mas uma lista dos livros que mais influenciaram uma pessoa parece ser menos controversa. Fiz uma lista dos livros de relações internacionais que mais me influenciaram. Decidi que só contam livros do pós-Guerra e não contam livros da última década. Mais tarde faço uma lista com os dez mais dos últimos dez anos. Terminei a graduação em 2001. Assim, seguem os dez livros modernos de relações internacionais que mais me influenciaram quando eu era bem jovem.

1. O Homem, o Estado e a Guerra (1959), Kenneth Waltz.
Clássico do pensamento realista. Busca dar respostas a pergunta mais perene e importante de relações internacionais: por que as guerras ocorrem?

2. Paz e Guerra entre as Nações (1962), Raymond Aron.
Análise sociológica mais impressionante sobre a paz e a guerra. O capítulo XIX resume o debate entre idealismo e realismo como poucos.

3. The Modern World System vol. I, II e III (1974, 1980 e 1989), Immanuel Wallerstein.
Trouxe para as relações internacionais as contribuições marxianas, leninistas e da teoria da dependência. Não há como pensar a expansão do poder americano sem entender as engrenagens do capitalismo e seus impactos nas semi-periferias e periferias do mundo.

4. A Sociedade Anárquica (1977), Hedley Bull.
Mestre da escola inglesa que misturou realismo e idealismo. Traz para o pensamento teórico em relações internacionais o peso da história e cultura.

5. The Rise and Fall of Great Powers (1987), Paul Kennedy.
Ícone dos decaístas da década de 80. Pode ficar datado, mas se trata de uma obra obrigatória para quem deseja entender as razões das quedas hegemômicas.

6. After Hegemony (1984), Robert Keohane.
Cooperação internacional, instituições internacionais e organizações internacionais só podem ser discutidas à luz dos conceitos de Keohane. Marcou época e continua muito atual.

7. O Longo Século XX (1994), Giovanni Arrighi.
Assim como Wallerstein e Kennedy, mostra como poucos as razões da queda de hegemonia.

8. O Choque das Civilizações (1996), Samuel Huntignton.
Obra de um conservador a serviço do establishment americano. Ficou datado, mas criou a polêmica mais importante dos anos 90, sendo resgatado depois de 2001.

9. Social Theory of International Politics (1999), Alexander Wendt.
Análise profunda sobre diferentes ordens internacionais criadas a partir da constituição mútua entre agência e estrutura.

10. O Direito dos Povos (1999), John Rawls.
Ainda que não tão progressista como Uma Teoria da Justiça de 1971, o Direito dos Povos é leitura fundamental para aqueles interessados em construir uma ordem global mais justa.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mudanças em politica externa, os militares e Dilma



A mídia e alguns analistas em RI vêm reiterando que a política externa brasileira sofreu uma correção de rumos no governo Dilma e isto se traduz no novo posicionamento do Brasil em relação ao Irã na questão dos direitos humanos. No entanto, este argumento não parece ser consistente. Votar a favor da inspecção de um comissário do Conselho dos Direitos Humanos da ONU ao Irã não significa uma guinada ou mudança em política externa. Pelo contrário, acredito que a mudança de posicionamento nesta questão está mais ligada a circunstâncias domésticas do que internacionais: o equilíbrio político entre Dilma e os militares.

Mudar os rumos de uma política externa é mais profundo que alterar o relacionamento com um parceiro periférico do sistema, ainda que isto envolva os delicados temas globais de direitos humanos e desarmamento. Envolve redimensionamento nas prioridades em relação aos parceiros fundamentais (grandes potências e vizinhos regionais) e aos fóruns internacionais. Uma mudança tangencial de apenas um tema – os direitos humanos – não sinaliza mudança concomitante na Rodada Doha, na reforma do CSNU, na integração regional e na relação bilateral com a China e os EUA, etc. Além disso, o posicionamento do Brasil em relação ao Irã no governo Lula respondia em parte uma posição histórica do país no que diz respeito aos temas de desarmamento e proliferação nuclear: o Brasil reserva para si o direito de usar a energia nuclear de forma pacífica e estende este direito a todos os países, inclusive ao Irã.

Em artigo clássico (Aspiração Internacional e Política Externa. Revista Brasileira de Comércio Exterior, 2005), Maria Regina Soares de Lima sustenta que a política externa brasileira sempre foi marcada pelo movimento pendular entre aproximação com os EUA e opção pelo multilateralismo ou universalismo. Se, por um lado, o governo Lula parecia mais inclinado ao último, por outro, não há ainda indícios suficientes para se argumentar que o governo Dilma tenha invertido os sinais ao ponto de ser equiparado ao governo FHC. Até o momento parece claro que o governo Dilma não alterou o centro das prioridades – integração regional, reforma do CSNU, opção pelo multilateralismo em matéria comercial e financeira. Dilma não aumentou o nível do relacionamento com os EUA, como sustentam alguns analistas nacionais em RI. A visita de Obama segue mais a uma necessidade dos EUA de se aproximarem do Brasil após o governo Lula do que uma posição nítida de Dilma no sentido de aumentar a interlocução com Washington. A própria posição do Brasil em relação a Líbia na votação do CSNU em parte reflete a posição histórica do Brasil em rejeitar resoluções que interfiram militarmente nos assuntos domésticos dos países, sempre optando pela via da negociação exaustiva.

Em relação ao Irã três temas aparecem misturados no noticiário e na análise de especialistas nacionais em RI – direitos humanos, proliferação nuclear e desarmamento. Houve um reposicionamento do Brasil na questão do desarmamento? Não há indícios nesse sentido. Pelo contrário, o Brasil continua a defender a inspecção da AIEA ao Irã e o acordo firmado com Teerã com a ajuda da Turquia. De modo geral, o pais continua a defender o dialogo ao invés das sanções econômicas, tidas pelo Itamaraty e por boa parte da literatura especializada como ineficientes.

Assim, a posição do governo Dilma em relação ao Irã no tema de direitos humanos pode responder mais a uma necessidade doméstica do que a um reposicionamento internacional de monta. Votar contra o país persa no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinaliza aos militares brasileiros a maior disposição do governo Dilma em tratar o tema das torturas e violações aos direitos humanos da ditadura militar. Este seria o típico caso de “tying hands”. Isto é, o governante utiliza o acordo ou posicionamento externo na busca de mais força interna para aprovar uma agenda custosa e que sem o acordo internacional seria impossível de ser aprovada. É certo que a votação do STF em favor na manutenção da Lei de Anistia diminuiu as tensões internas na medida em que os militares se sentem mais seguros ao liberar informações até então secretas em relação a o que aocntece durante a ditadura, mas ao se posicionar na arena internacional como uma defensora mais ativa dos direitos humanos a presidenta Dilma fortalece sua posição interna frente à cúpula militar. Provavelmente, Dilma irá fazer algumas críticas pontuais China e a Cuba neste tema sem com isso minar sua autoridade na negociação bilateral com estes países.

A maior autoridade moral de Dilma ao tratar deste tema com os militares pode ser fortalecida caso o Brasil envie tropas ao exterior, sob os auspícios das Nações Unidas e dentro do modelo haitiano, para conter violações de direitos humanos, manter acordos de paz firmados entre partes em conflito ou construir a paz. Se soldados brasileiros forem enviados ao exterior sob a bandeira das Nações Unidas e na defesa dos direitos humanos ficará ainda mais evidente que Dilma tem clara posição em prol da defesa dos direitos humanos na arena internacional, fortalecendo sua posição doméstica e vencendo assim resistências dos militares brasileiros sobre o tema.

Como se sabe, decisões em política externa podem ser muito úteis para solucionar brigas domésticas. FHC fez isso ao utilizar os acordos financeiros com o FMI para aprovar reformas internas impopulares. Há indícios de que Dilma esteja agindo da mesma maneira na questão dos direitos humanos e que o Irã seja apenas o instrumento desta estratégia.

sábado, 9 de abril de 2011

Os salários dos políticos profissionais e a qualidade legislativa

Há uma polêmica linha de pesquisa em ciência política mostrando que salários mais altos e imunidade parlamentar assegurada melhoram a qualidade da representação e a produtividade dos políticos. Os autores Ferraz e Finan da PUC-Rio (Motivating Politicians: The Impacts of Monetary Incentives on Quality and Performance) demonstram que salários mais altos para os políticos brasileiros aumentam a competição eleitoral e atraem os melhores candidatos. Os autores demostram também que altos salários aumentam a produtividade dos legisladores (mais leis e maior provisão de bens coletivos). Em trabalho inovador, Dal Bó, Dal Bó e Di Tella da Brown University (“Plata o Plomo?”: Bribe and Punishment in a Theory of Political Influence) mostram que sistemas com menos imunidade parlamentar criam incetivos para atrair políticos de baixa qualidade e não de alta qualidade como muitos pensam. A punição do judiciário contra a corrupção diminui o interesse dos melhores candidatos pelas posições de mando na medida que aumenta a instabilidade da profissão. 

Não há dúvidas que estes estudos vão contra o senso comum segundo o qual os políticos brasileiros não devem ganhar bem ou que devem ter sua imunidade parlamentar relaxada frente à implementação da Lei da Ficha Limpa. Em um debate na TV Bandeirante durante a reeleição Lula em 2006, o ex-Senador Jorge Bornhausen do DEM-PFL de Santa Catarina afirmou que na época em que era vereador em Blumenau a política era feita por homens nobres e que não precisavam da política para viver. Eram médicos, empresários e fazendeiros interessados no bem público. Ele esqueceu de dizer que nesta época a esquerda estava prescrita, os trabalhadores não podiam se organizar e que seus colegas eram todos homens brancos e membros da elite econômica local.

A luta da esquerda nos últimos trinta anos foi pela profissionalização da política brasileira e pelo fim do patrimonialismo da elite dirigente tradicional (o fazendeiro-vereador que usa o Estado para demarcar suas terras e expulsar o trabalhador rural). Exigir que políticos devam ter salários pouco condizentes com o cargo e compará-los aos deputados suecos é moralismo barato que não contribui para o debate sobre a qualidade da representação. Exigir salários baixos e esperar que os políticos defendam o interesse público nobremente sem que precisem ser bem remunerados por isso é exigir que a política brasileira seja dominada novamente pelos colegas patrimonialistas de Bornhausen. Qual seria o destino de Luiza Erundina e Marina Silva, ex-empregadas domésticas, se os políticos brasileiros fossem mal pagos?     

O Paraguai e o aumento do preço da luz

Ao ouvir alguns deputados da oposição criticarem duramente a proposta do governo de aumentar o valor pago pela energia ao Paraguai por meio do Tratado de Itaipú fica clara a arrogância da direita contra os nossos vizinhos. Como já disse Chico, falar fino com Washington e grosso com a Bolívia é princípio norteador da oposição.

Sou a favor de pagar mais. Acho que o Paraguai e o Brasil precisam. Há três razões fundamentais para o aumento. Primeiro, ajudar o Paraguai economicamente significa ajudar o próprio Brasil. O Paraguai tem um PIB de apenas US$17 bilhões em 2011. O Paraná tem um PIB de US$ 100 bilhões. Ajudar os paraguaios a construir o linhão de energia até Assunção e pagar mais pela energia significa dinamizar a economia vizinha e ajudar economicamente a fronteira brasileira mais populosa. Segundo, ajudar o Paraguai significa seguir o princípio da solidariedade latino-americana. É certo que a direita não gosta desta categoria. Sempre preferiu a Europa Ocidental e os EUA, mas o Brasil não pode se furtar de sua circunstância geográfica e cultural. Ajudamos o Paraguai porque se trata de um imperativo moral de solidariedade. O mesmo princípio aplicado no caso boliviano na questão do gás. Por fim, se investe no Paraguai para evitar problemas futuros. Se o Brasil continuar a crescer em um rítmo mais acelerado que os vizinhos aumentará a incidência da imigração ilegal, do contrabando e do tráfico na fronteira. Ajudar o Paraguai a se desenvolver protege o Brasil de problemas fronteiriços tradicionais.

A oposição diz que gosta da nova posição do governo brasileiro em política externa. Só se for no caso iraniano. No que diz respeito aos nossos vizinhos, repete a lógica da criança que apanha dos meninos mais velhos da escola e desconta a raiva e angústia nos priminhos mais novos em casa. Haja terapia.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Um brasileiro na noite da vitória de Obama

* Artigo escrito logo após a vitória de Obama em novembro de 2008.

Cheguei aos EUA em agosto de 2008 para terminar meu doutorado em Ciência Política em Yale. A campanha de Obama tomava as ruas de New Haven, cidade conhecida por ser sede desta prestigiosa Universidade. Por onde olhava havia cartazes e adesivos do candidato e seu vice. O Estado de Connecticut é conhecidamente democrata, ainda mais em meio a estudantes universitários. No entanto, talvez aqui a possível vitória de Obama não pudesse ser plenamente comemorada. Ao menos pelo Governing Board da Universisdade, pois afinal George Bush estudou e, provavelmente, concebeu George W. Bush por aqui. Bush filho nasceu no hospital de Yale enquanto Bush pai era aluno de graduação.

A campanha de Obama foi absolutamente fantástica e envolveu a todos. A mobilização popular em torno daquela figura quase mítica definitivamente mudou minha maneira de entender o jogo democrático. Mas essa mudança ocorreu aos poucos.

Tudo começou com os debates televisionados. Pela primeira vez em minha vida fui assisti-los em bares. Meus colegas do Departamento de Ciência Política presenciaram em peso as discussões entre Obama e McCain ou entre Biden e Palin. Mas não estávamos sós. Havia dezenas de alunos e alunas dos mais diversos departamentos e escolas. O mais impressionante é que todos assistiam em silêncio. Algumas vezes se ouvia apupos quando McCain tecia uma ou outra opinião. No geral, um enorme respeito e interesse. Acho importante salientar isso porque assisti a diversos debates no Brasil: entre Lula e FHC, entre Serra e Lula, entre Lula e Alckmin. Todos em minha casa e entre poucos. Quando me encontrei nos bares de New Haven me perguntei se seria possível assistir debates políticos em bares, em São Paulo. Provavelmente sim. A diferença é que, para mim, os debates no Brasil eram importantes demais para se assistir em qualquer bar. Minha experiência aqui mostrou que debates são efetivamente manifestações públicas da política. Assistirei os próximos debates de candidatos brasileiros no bar mais próximo. Mas este não foi o aprendizado essencial.

Os debates da campanha americana foram interessantes por seu aspecto previsível: observar a juventude elitizada e internacionalizada de Yale definitivamente preocupada com o futuro do país. Não se pode dizer que ali se encontrava apenas uma maioria democrata. Era mais do que isso. Tive a impressão que todos eram democratas, inclusive os alunos do departamento de Economia. Aliás, dizem que há uma liga de estudantes republicanos por aqui. Já me disseram, contudo, que agora são apenas fantasmas que rondam a antiga sede da Economia.

No dia da eleição, o Departamento de Ciência Política preparou uma grande festa. O óbvio viés institucional dado aos democratas foi colocado às claras, algo que, deve ser digno de nota, para professores que se dizem bipartidários ou cientistas neutros. A partir das 19h uma recepção – sempre com comida e bebida farta – aconteceria no MacMillian Center, luxuoso prédio de relações internacionais logo em frente ao Departamento. Por cerca de três horas poderíamos assistir a cobertura eleitoral da CNN e beber a vontade. Nesse ínterim, as urnas dos Estados do meio-oeste se encerrariam e os primeiros resultados do leste e sul começariam a aparecer na tela.

Quando lá cheguei o salão estava absolutamente tomado por alunos, só que agora, não mais em silêncio. O Departamento tentou dar um ar mais sério à festança ao selecionar dois professores - famosos e inteligentes - para comentar os resultados à medida que eram divulgados. Contudo, os dois já estavam ébrios e excitados demais para comentar qualquer coisa seriamente, mesmo porque ninguém prestava atenção no que tinham a dizer. O fato é que ambos vibravam com os alunos a cada resultado anunciado pela TV e esqueciam que deveriam permanecer serenos e sóbrios.

As pesquisas de boca de urna indicavam vitória de Obama, principalmente com a possível conquista de Estados chaves como Ohio e Pennsylvania. A cada chamada da TV o salão entrava em ebulição. Quando a CNN indicou vitória de Obama na Pennsylvania o lugar entrou em euforia. A vitória derradeira estava muito perto. Restava esperar o fechamento das urnas na costa Oeste e celebrar. Nesse instante, um colega chegou ao meu lado chorando e disse que essa era o momento político mais importante de sua vida. Tinha 26 anos e me disse que começou a se interessar por política nos terríveis anos Bush Filho. Para ele, analisar a política americana sempre teve um gosto amargo e pouco inspirador. As coisas mudaram quando ele começou a acreditar em Obama. Eram oito anos de espera que pareciam culminar em um final feliz.

Com efeito, foi a partir do resultado de Ohio que a situação começou a ficar emocionalmente interessante. Até onde pude observar, no Departamento de Ciência Política de Yale não há mais do que cinco alunos negros em um total de quase cinquenta. Acredito que desses cinco, apenas um é americano. Os demais são caribenhos ou africanos. Quando a CNN indicou vitória na Pennsylvania este único representante afro-americano estava o meu lado. No mesmo instante sua avó ligou de algum bairro de Pittsburgh, grande cidade daquele Estado. Ele começou a chorar e não parou mais. O mais emocionante não foi apenas vê-lo chorando após as palavras de sua avó – até hoje não sei o que ela disse –, mas ver todos os demais colegas de departamento – brancos e latinos – abraçarem o único aluno fisicamente semelhante à Obama. Foi comovente ver todos em lágrimas, inclusive alguns renomados professores. Não sei quanto tempo irá durar a aproximação que ali observei. Mas valeu cada segundo presenciá-la.

O estado eufórico já havia tomado conta do salão quando anunciaram que o prédio fecharia às 22h. As urnas da Califórnia ainda não haviam sido encerradas. E agora? Corremos ao bar mais próximo. Os alunos de pós-graduação de Yale tem um bar semi-privado na principal rua que corta o campus. O bar admite apenas alunos com carteirinha de pós-graduado de Yale. Os moradores locais e os alunos de graduação não podem entrar. O lugar é, portanto, exclusivo para um grupo de alunos mais elitizado e bastante internacionalizado. Obviamente, o público não reflete nem de perto a realidade americana mais profunda. Mas pouco importava naquele momento.

O local já estava repleto de alunos festejando e comemorando a vitória que se aproximava. As urnas da Costa Oeste fechariam às 23h. Chegado o momento, a ansiedade foi às alturas à espera do anúncio das televisões. Finalmente, a CNN mostrou o Grant Park de Chicago absolutamente tomado pela multidão com a frase no canto da tela “President Elected Obama”. O bar veio abaixo. Imediatamente o DJ começou a tocar “We are the Champions” do Queen. Todos cantavam juntos. Foi realmente impressionante. Mas o melhor ainda estava por vir.

Esperávamos os discursos do vencido e do vitorioso. Quando McCain apareceu na tela, vaias contidas surgiram aqui e ali. O Senador do Arizona proferiu palavras respeitosas e serenas. Ouvimos com atenção e um pouco de sarcasmo. Manifestações radicalizadas não apareceram, mesmo quando o derrotado citou Sarah Palim. Diga-se, de passagem, que na festa de Halloween há alguns dias antes a fantasia mais popular era a da candidata a vice pelos republicanos. O interessante é que a euforia pela vitória não levou os alunos a se colocaram desrespeitosamente contra McCain, pelo menos naquele instante. Ninguém o apreciava, muito menos Palim. Mas depois de vencido não era necessário destratá-lo. Bastava se sentir aliviado pelo fato daquele velho homem não ter chegado à Casa Branca.

O ponto alto seria sem dúvida o discurso de Obama. Ao aparecer no palco montado em Chicago o bar entrou em silêncio total. Subi na cadeira mais próxima para escutar e ver melhor aquela impressionante figura política. Sentia que, mesmo com uma administração possivelmente difícil, se via ali um gigante político. Vencer Hillary e os Republicanos era simplesmente impensável. A primeira frase imprimiu a tom do discurso: “Se ainda há alguém que duvida que nos EUA tudo é possível, que se pergunta se o sonho de nossos fundadores ainda está vivo em nosso tempo, e que questiona o poder de nossa democracia, esta noite é a sua resposta!”. Não era preciso ser americano para se emocionar. Era apenas preciso estar lá e ver tudo aquilo.

De todo o discurso houve um momento que mais me tocou. Ao agradecer aqueles que o ajudaram e contribuíram para sua campanha, Obama disse que a ela se tornou mais forte com a ajuda de jovens que rejeitavam o mito de que sua geração é politicamente apática. O bar vibrou com tais palavras. Dali em diante meu choro e dos colegas mais próximos não parou mais. Foram mais ou menos quinze minutos de forte emoção, passando pela já célebre frase segundo a qual a força dos EUA não vinha de seu exército, mas da crença nos ideais de democracia, liberdade, oportunidade e esperança duradoura. Entretanto, a frase sobre a geração atual ficou em minha memória e pensamentos.

A idéia de que minha geração pouco se importa pela política ou que a geração que me precedeu (60-70) era mais solidária e disposta a enfrentar o mundo por uma causa nobre sempre me soou pretensiosa demais. A participação decisiva de jovens militantes na campanha de Obama em 2008, assim como na campanha de Lula em 2002, eram provas inequívocas de que nossa geração sempre teve muito a dizer. Talvez a diferença esteja no fato de acreditarmos nas atuais regras do jogo político – democracia. Não pretendemos mudá-las. Talvez aperfeiçoá-las de tempos em tempos. Nossa manifestação política se encontra nas urnas a cada dois anos. Os jovens americanos escolheram Obama e acreditaram nas regras existentes para mudar o sistema. Aqueles que festejavam no bar não eram apáticos. Eram jovens que acreditaram no poder da mudança pelas e com as regras.

Quando o Presidente Eleito terminou com as palavras tradicionais de benção aos EUA, olhei a minha volta e todos estavam absolutamente emocionados. Nunca imaginei que um dia veria dezenas de pessoas chorando dentro de um bar. Não é um lugar onde geralmente se chora. A soma de bebida e o momentum pintaram um quadro perfeito e único que dificilmente esquecerei.

Em meio a tão calorosas manifestações, uma colega argentina se aproximou e me confessou que aquele era o momento político mais emocionante de sua vida. Para ela nenhuma eleição ou crise política na Argentina tinha a feito chorar e se emocionar tanto. Ela me disse que agora poderia muito bem trocar de cidadania. Aquelas palavras me fizeram pensar se o mesmo ocorreria comigo. Será que nunca vivi momentos assim no Brasil? Será que haveria em mim uma vontade oculta de mudar de país? A resposta era não. Logo veio em minha mente a primeira vitória do Lula e as ruas de Curitiba, uma cidade para lá de conservadora, vestidas de vermelho. Foi então que percebi que não se tratava de um momento em si apenas. Pelo contrário, se tratava da forma como os jovens enxergam a classe política no poder. Não sei ao certo como isso dava na Argentina de minha colega, mas em meu caso os políticos brasileiros não se estavam tão mal assim.

Embora tenha votado no Lula em todas as eleições desde 1994, me sentia orgulhoso de ver, dois ou três presidentes que transformaram o Brasil para melhor ao longo dos últimos quase vinte anos de democracia. A mediocridade política passou ao largo do país nos últimos anos com algumas exceções. Tivemos sorte de presenciar grandes líderes no exercício do poder. Mesmo quando pensei sobre quem seriam os próximos – Dilma, Ciro, Aécio ou Serra – constatei que continuaríamos no mesmo caminho. Não me senti menor com a experiência que vivi naquela noite. Pelo contrário, me senti inspirado.

Não, o Obama não é brasileiro. Mas ao comparar a incrível capacidade do povo americano de se renovar por meio da escolha de um líder improvável, percebi quão importante é a democracia e, mais ainda, o quão importante foi aquela geração brasileira que lutou contra a ditadura e escreveu a Carta de 1988. Eles definitivamente asseguraram aos brasileiros de minha época a possibilidade de mudar o país a partir de regras equânimes de competição política. Lembrei que Abraham Lincoln, antes de se tornar presidente, achava que sua geração era incomparável àquela dos founding fathers. Nada poderia igualá-los em glória e superação. Apenas lhe restava disputar algum cargo eletivo e, quem sabe, melhorar seu país. Mal ele sabia que seus iguais iriam enfrentar desafios ainda maiores.

Ainda não sei quais serão os desafios que minha geração enfrentará quando alcançar o poder. Também não sei se está preparada para isso, mas sei que o mais difícil já foi realizado pelos que vieram antes: a reconstrução do processo democrático no Brasil. Como disse, minha geração é democraticamente politizada e consegue exprimir sua voz por meio do voto. No entanto, devemos muito àqueles que nos precederam e que muitas vezes nos chamam de desisteressados, ainda que ache isso injusto. Obrigado Obama por aquela noite inesquecível e inspiradora, mas, sobretudo, muito obrigado Ulysses, FHC, Covas, Lula, Darcy, Florestan.......pelos últimos vinte anos de plena liberdade.



Artigo escrito logo após a vitória de Obama em 2008.