quarta-feira, 25 de abril de 2012

A estatização da YPF, as oportunidades e os perigos para o Brasil

É provável que o governo de Cristina Kirchner tenha acertado ao reestatizar a YPF. Mas é muito cedo para saber as consequências econômicas e políticas da decisão. O sucesso completo da empreitada dependerá da qualidade da nova administração da YPF e da forma como o governo argentino conseguir criar projetos de cooperação técnica e financeira com outras empresas petrolíferas, principalmente com a Petrobrás, para incrementar os investimentos na área.

O governo argentino tem justificativas políticas e econômicas bastante coerentes para tomar a decisão. Primeiro, a maioria dos governos tem algum tipo de controle sobre empresas petrolíferas. Com a exceção de EUA e Reino Unido, as maiores empresas de petróleo estão nas mãos dos governos. Mesmos nesses dois países as grandes empresas são nacionais. Segundo, a Repsol não investiu como poderia, ainda que sistematicamente tenha culpado o governo e o marco regulatório pelos entraves ao investimento. A Argentina se transformou em importador de energia. Terceiro, a Repsol vinha aumentando as remessas de lucros para a Espanha desde o início da crise financeira. A moratória de 2001 levou a Argentina a ter problemas em se financiar nos mercados internacionais. Os superávits comerciais vinham abastecendo o país com moedas fortes. As remessas de lucros da Repsol/YPF, de longe a maior empresa do país, trabalhavam no sentido contrário. Quarto, desde o início da sua administração, os governos Kirchner vinham sinalizado a retomada de empresas consideradas estratégias. A estatização das Aerolíneas Argentinas é um exemplo conhecido. A Repsol não foi tomada de surpresa. É possível, inclusive, que as remessas de lucros crescentes estejam relacionadas não apenas às necessidades de caixa em Madrid, mas também com sinais de que um maior intervencionismo do Estado estava por vir. Quinto, não se pode reificar a segurança jurídica na questão dos investimentos. É claro que se trata de um ponto importante, mas o aspecto fundamental é a taxa de retorno dos investimentos. Se houver insegurança jurídica, mas os lucros forem altos os investimentos acontecem. O melhor cenário é sempre segurança jurídica com lucros altos, mas nem sempre esse é o caso e desde a moratória de 2001 os investidores internacionais lidam com o cenário de insegurança jurídica na Argentina e nem por isso deixaram de investir. É provável que nem todos os investimentos possíveis vieram porque havia insegurança, mas também é provável que em um setor de retorno tão alto como petróleo e gás outros investimentos estrangeiros possam acontecer. A estatização da YPF não alterou esse cenário.

O governo Kirchner adotou três estratégias – doméstica, regional e internacional - bastante razoáveis. No plano interno, a decisão fortalece o projeto político de Cristina e atende aos anseios a maioria dos argentinos. A decisão aconteceu na hora exata. Reeleita de forma esmagadora, o governo de Cristina tinha o respaldo popular e das províncias a decisões como esta. Não havia espaço no primeiro mandato. No cenário internacional residia o maior desafio. Mas Kirchner também escolheu o melhor momento. A crise europeia enfraqueceu politicamente a Espanha. O governo de Mariano Rajoy, envolvido nas soluções da crise, tem poucos meios para pressionar a Argentina. A União Europeia, por sua vez, dificilmente adotará uma linha mais dura em relação ao país sul-americano. Até porque a estatização foi específica à Repsol, abrindo espaço para outras empresas europeias entrarem no mercado do país sul-americano.  O próprio fato do preço da YPF ter caído nos mercados nos últimos anos facilitou a decisão de Cristina na medida em que o governo estatizou uma empresa fundamental e relativamente barata. Estatizar no primeiro mandato significaria problemas eleitorais e preços mais altos. Em política, momentos como esse raramente acontecem. Ou o governo tomava a decisão agora ou não tomava mais.

É no plano regional que reside o sucesso ou fracasso da decisão. Sozinha a YPF não consegue levantar os recursos para os investimentos. A própria capacidade técnica da empresa está comprometida. A saída mais coerente para este gargalo reside em uma parceria com a Petrobrás. E Cristina parece ter entendido bem a possibilidade. Logo após a estatização o governo enviou seus ministros a Brasília não apenas para assegurar que os ativos da Petrobrás não sofreriam intervenções para além daquilo acontecido em Neuquén, mas para convencer as autoridades brasileiras da importância da Petrobrás para a YPF. Aumentar a participação da Petrobrás para 15% do mercado chegou a ser anunciada. No entanto, o governo argentino precisa buscar mais. Precisa criar com a Petrobrás um plano de investimentos que seja bom tanto para a YPF, como para Brasília e os acionistas da empresa brasileira. A Petrobrás pode  e deve aumentar a participação no mercado argentino, o que significa obviamente mais investimentos, mas a grande oportunidade está na cooperação técnica e financeira com a YPF na prospecção de novas jazidas de gás e petróleo que podem ser importantes para o abastecimento brasileiro.

Assim, o maior perigo da estatização mora na qualidade da nova administração da YPF. Se o governo Kirchner não buscar um programa agressivo de profissionalização da administração, as chances da Argentina na área energética podem ser desperdiçadas. O histórico não é positivo. As empresas recentemente estatizadas ainda não decolaram e, no caso da Aerolíneas Argentinas, sequer disponibilizaram seus balanços. Mais uma vez, o modelo de gestão deve ser a Petrobrás, uma empresa estatal que se equilibra entre as exigências do governo e as forças dos mercados. Cristina Kirchner pode ser criticada por vários ângulos, mas o que não lhe falta é coragem. Resta mesclá-la com profissionalismo e cooperação regional.
  

Um comentário:

  1. Feliciano, a nacionalização na Bolívia indica tendência nas relações com investidores europeus na região?

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